O último dia do estágio.




Hoje seria o meu último dia de estágio. Após este ano e meio, poderia dar um fim a este capítulo turbulento da minha vida, este curso. Com o fim deste dia, eu ficaria livre que nem um passarinho que não resiste a uma gaiola que alguém deixou aberta. 

Eu disse-te quando seria. Fico aqui a pensar, enquanto despejo estas palavras para esta folha de papel virtual, se te lembras que dia é hoje. Se te lembras de mim. Será que ainda passeio por algum canto mais obscuro da tua memória? 
Na minha cabeça, as formas começavam a ficar bem definidas. Completar o estágio, terminar o curso aprovada, e voilá! Foi nisso que falamos. Pensava que era isso que tinha ficado acordado entre nós. Eu iria terminar o estágio, acabar o curso, e ia ter contigo. Foi isso que falamos naquela noite fria de inverno. Já te esqueceste, não é?

Tu (já) não sabes que dia era suposto ser hoje. Supostamente seria o fim do meu estágio. Ainda não tive a coragem de desfazer a mala de viagem (eu já tinha substituído a mala cor-de-laranja que se danificou na última viagem). A mala, obviamente, não estava 100% feita. Falta tanta coisa para colocar lá dentro. Só tinha colocado os vestidos azuis que sei que gostas de me ver neles (não fosse o azul a tua cor favorita), e alguns dos livros que não conseguiria deixar atrás. Antevi a dificuldade que seria, aquando da aproximação da minha data de partida, escolher quais livros levaria agora comigo; peguei nos primeiros que vi. Os restantes eu viria cá buscar nas férias, quando viesse visitar a família. 

Assusta-me que nada mais me importa. O meu estágio não acaba hoje. Eu não vou partir esta semana. Eu já tinha os planos feitos. Relatório entregue, curso aprovado. Pelo fim desta semana, eu já me antevia num avião, para ir ter contigo. Iria na Ryanair, com a mala no porão, para poder levar a maior parte da minha roupa e calçado.  Iria necessitar para palmilhar a nova cidade em busca de emprego. Imagino que me levarias ao IEFP. Passearíamos pelas novas ruas de mãos dadas, como fizemos no passado. Mostar-me-ias os teus locais favoritos do que te é familiar? Gosto de pensar que sim. Para onde vais quando queres descontrair, para onde vais quando estás preocupado, para onde vais quando estás triste. Podíamos regressar ao Norte, para revisitar aquele hotel onde fomos tão felizes em Dezembro.E falámos sobre ir acampar no Verão. Poderíamos ir acampar para o Alentejo. Será que gostas tanto do Verão como eu? Poderíamos ter descoberto isso em breve. Poderíamos ter alcançado tantas, tantas coisas. Poderíamos ter tido uma vida linda juntos.
Eu queria tanto saber onde é que tu estás. Eu estou aqui. Onde é que tu estás, abelhinha? Quais são os braços que agora escolheste como  teu abrigo?

Ficou tudo para trás, não foi? Nós juntos, eu aí contigo. Não há nada entre nós dois a não ser o oceano que nos separa. Mas nem sempre foi o caso. Nem sempre este mar serviu de obstáculo. Houve uma altura que acreditávamos que iríamos vencer isto. Ainda te lembras do que me disseste na estação de comboios? Que só tínhamos que manter a chama viva. Que a distância não nos iria apagar. Que tínhamos que nos esforçar. Eu nunca deixei de me esforçar por ti. Mas a nossa chama apagou-se, e não sei qual de nós é que soprou para a extinguir. O que nos aconteceu, abelhinha? 

Hoje seria o meu último dia de estágio. Eu partiria para ir ter contigo no final desta semana. 
Mas não vai ser hoje o meu último dia. O estágio está suspenso. Já não partirei nem esta semana nem na próxima para ir ter contigo. Será que te lembras destes detalhes? Será que ainda pensas em mim? Eu penso em ti nos intervalos que separam os meus segundos. Eu penso muito na vida que teríamos juntos, a que nos privámos tão friamente. Penso em todas as possibilidades à nossa mercê. Poderíamos ter arriscado. Poderíamos nos ter amado tanto. Poderíamos ter ido ver o mundo, tirar fotografias, criar memórias só para nós. 

Hoje já não é o meu último dia do estágio. E quando for, o que será de mim? Como é que eu vou partir para essa cidade sem ter-te do meu lado? Com que forças é que vou passear pelos passeios que tu andas agora com outrem? Como vou viver aí sem ti, abelhinha? Tu estás sempre comigo, eu trago-te aqui dentro no coração. Como é suposto eu viver aí sem ti?

Eu não sei. Sei que hoje o dia está cinzento. E que hoje seria o meu último dia do estágio.


"Como se soubesses que amanhã
Não há um amanhã tão certo
Guarda-me esta noite
Guarda-me esta noite"

Comentários

Catarina disse…
O nosso coração acaba sempre por encontrar forma de nos ajudar a superar aquilo que nos parece impossível, mesmo que hoje não seja o último dia de estágio e nada esteja a correr como planeado.
O melhor está por vir!
Beijinhos :-)

Mensagens populares deste blogue

"A morte não é um bem. Os próprios deuses o sabiam. Eles preferiam viver."

An enemy is just a friend I haven't worn down